Quando fomos obrigados a ficar em casa, percebemos que...




Quando fomos obrigados a ficar em casa, começamos a prestar mais atenção nela. Falo aqui das duas casas que cada um habita. A casa, aquela feita de tijolos ou madeira, e a casa corpo, a casa mente, a casa EU.
Quando fomos obrigados a ficar em casa, percebemos que a prateleira estava um pouco torta, que não andávamos limpando aquele cantinho atrás de uma estante, que o sol batia na sala das 14h às 16h, que às 17h a casa tinha outra aparência e que, às 5h da manhã, era possível espiar o sol nascer em um cantinho do escritório.
Quando fomos obrigados a ficar em casa, percebemos que temos um cômodo preferido e, quem sabe, um odiado. Que as cores das paredes que nos encantavam agora causam enjôo, que os móveis escolhidos pela sua beleza nem sempre são os mais confortáveis, e que o bairro que foi escolhido por prestígio, localização, dinheiro, agora já não importa mais.
Quando fomos obrigados a ficar em casa, percebemos que a nossa casa é o nosso mundo. Que por mais que possamos sair, passear, desbravar o mundo, é para lá que voltamos no fim do dia. E, quando o dia não tem fim, como no caso desta quarentena, percebemos que este é o lugar mais importante da nossa vida.
Quando fomos obrigados a ficar em casa, percebemos que a nossa casa corpo também precisa receber atenção. No início, ela foi quem mais sofreu com a pandemia. Ansiedade, fome, angústia, falta de atividade física, falta de movimento, falta de sol.
Quando fomos obrigados a ficar em casa, percebemos que precisamos olhar e cuidar da nossa casa corpo como cuidamos da nossa outra casa.
Quando fomos obrigados a ficar em casa e já tínhamos feito tudo que dava na outra casa é que passamos a olhar para todos os cantinhos dessa nossa casa corpo. Nos descobrimos felizes ou tristes sozinhos. Descobrimos o que fazer com a nossa própria companhia ou com aqueles que escolhemos para dividir a casa espaço com a gente.
Passamos a entender o que nos traz felicidade, mas primeiro sentimos muito medo. Mente quem disser que não sentiu medo nesta quarentena, seja o medo da morte ou da pobreza, nesta quarentena aprendemos a sentir medo, a conviver com o medo, a dormir com o medo e, algumas pessoas como eu, até sonhar com o medo.
Quando fomos obrigados a ficar em casa, percebemos que apesar de sermos um mundo cheio de pessoas, uma família, uma sociedade, um país, um continente, uma nação mundial, quando pegamos um virus altamente contagioso estamos sozinhos. E precisamos aprender a estar sozinhos, porque, afinal de contas, nascemos sozinhos.
Quando fomos obrigados a ficar em casa, percebemos que a solidão acompanhada existe também, pois por mais que tenhamos alguém ao nosso lado, essa pessoa não habita a nossa casa corpo e não é capaz de entender tudo aquilo que estamos sentindo e vivendo neste momento que é difícil para todos.
Quando fomos obrigados a ficar em casa, percebemos que todas as nossas escolhas feitas até hoje importaram muito e que a partir de agora vamos escolher com muito mais cuidado.
Quando fomos obrigados a ficar em casa, percebemos que a vida continua mesmo quando parece ter parado.

Comentários

Postagens mais visitadas